The Huffington Post
(Texto de Priscila Frank, 12/10/2015)
Qualquer pessoa que tenha usado uma caneta para rabiscar um papel, lápis de cera para colorir um livro ou as mãos em argila molhada conhece os poderes curativos embutidos em tais esforços criativos.
Mais do que um passatempo, a arte pode ser uma fuga, um estímulo, um grito de guerra ou uma tranquila pausa.
A arteterapia, definida como “uma forma de psicoterapia que utiliza os meios artísticos como seu principal modo de comunicação”, gira em torno desse princípio do imenso poder da arte.
Aberto às crianças e adultos de qualquer formação e experiência, esse campo, ainda em desenvolvimento, explora modos de expressão, entendimento e cura que ocorrem quando a tinta toca a tela.
Embora muitas escolas hoje funcionem sob a premissa que de a arte é irrelevante, um desvio das disciplinas acadêmicas tradicionais, os arteterapeutas sabem o que estão dizendo. Eles sabem que a arte tem o potencial de mudar vidas e até mesmo de salvá-las.
Tally Tripp é diretora clínica de arteterapia da Universidade George Washington, especializada em indivíduos que passaram por traumas. Tendo começado nesse campo desde seu surgimento, nos anos 70, Tripp foi fundamental em desenvolver essas atividades da forma como conhecemos hoje.
Dando seguimento à cobertura do The Huffington Post sobre o frequentemente incompreendido campo da arteterapia e sobre os pioneiros que continuam a esculpi-lo, conversamos com Tripp sobre o momento atual e o passado de sua carreira.
Como você se interessou por arteterapia? Como tomou conhecimento sobre esse campo?
A primeira vez que ouvi falar de arteterapia foi definitivamente quando esse campo estava em sua infância. Pessoalmente, sempre adorei criar arte e combinar isso com um interesse em trabalhar com as pessoas.
No colégio, passava as temporadas de verão em Nova York trabalhando para a Children’s Aid Society com crianças pobres em um programa de camping.
Foi lá, como orientadora do programa de arte e artesanato, que vi uma das revistas originais sobre arteterapia: a Bulletin of Art Therapy (editada por Elinor Ulman e produzida entre 1961-1970).
Por muitos anos, aquela revista era a única publicação sobre arteterapia disponível. Na mesma época, em 1971, Elinor Ulman e seu colega, o psicólogo Bernard Levy, começaram um programa de arteterapia na Universidade George Washington.
Em pouco tempo meu objetivo era estudar arteterapia na GW [George Washington], o que consegui entre 1978 e 1981. Agora, depois de muitas voltas, sou professora titular do programa de arteterapia na GW e diretora da Clínica de Arteterapia da GW.
Como era a arteterapia quando você mergulhou pela primeira vez nesse campo?
No final dos anos 70, a arteterapia ainda era uma profissão nova.
Foi definitivamente um período emocionante para o campo, já que nós estudantes tínhamos classes com os pioneiros: Elinor Ulman, Edith Kramer e Hanna Kwiatkowska – pensadores inovadores desenvolvendo abordagens clínicas que eram baseadas principalmente em intuição, combinadas com um pensamento psicoanalítico popular na época.
Também, naquela época, havia poucos textos ou pesquisas sobre arteterapia que nos guiassem, por isso aprendemos basicamente com nossas experiências e trabalho clínico.
Como a arteterapia era uma profissão relativamente desconhecida, todos dedicamos tempo e esforços para divulgar e educar os outros sobre seu valor.
O campo está mais estabelecido agora e mais pessoas já ouviram falar sobre arteterapia e entendem um pouco como funciona.
Os arteterapeutas agora possuem licenças em alguns estados, bem como níveis de credenciamento profissional e certificação.
Além disso, temos uma ampla literatura sobre arteterapia à nossa mão, incluindo estudos sustentando a eficácia da arteterapia e descrevendo como ela é usada em muitos contextos e populações.
Os arteterapeutas agora podem ser encontrados em vários contextos — em hospitais e centros psiquiátricos, escolas, unidades de geriatria, em comunidades e estúdios de arte, e em clínicas particulares.
Quais são suas áreas de interesse nesse campo?
Tenho feito atendimento particular em arteterapia há mais de 30 anos. Minha especialização é trabalhar com indivíduos que passaram por traumas.
Acredito que esses clientes são excelentes candidatos para a arteterapia precisamente porque a arte pode fornecer meios para expressar os sentimentos inexprimíveis, que muitas vezes estão trancados ou afastados da consciência em resposta a eventos traumáticos.
Tem sido animador ver que, nos últimos 25 anos, a pesquisa neurocientífica tem validado o tipo de trabalho que fazemos.
Através das imagens do cérebro, agora sabemos que o funcionamento cognitivo e executivo está, em sua maior parte, “off-line” quando as pessoas estão se lembrando de seus traumas, tornando-os essencialmente “sem palavras”.
Isso ajuda a explicar por que a terapia verbal tradicional muitas vezes não é suficiente quando se lida com traumas, e por que a arte (imagens) e outras terapias experimentais são tão eficazes.
Existe um certo tipo de paciente que você acredita ser mais adequado à arteterapia em oposição a outros métodos terapêuticos?
Qualquer pessoa que está disposta a explorar sentimentos através do processo da arte pode se beneficiar da arteterapia. Algumas pessoas serão naturalmente atraídas para esse tipo de terapia — as crianças, em particular, onde sua linguagem natural é através da arte e da brincadeira.
Adolescentes também são bons candidatos para a arteterapia porque podem ser resistentes às terapias de conversa tradicionais e normalmente gostam de trabalhar com materiais artísticos.
Trabalho com adultos, no entanto, digo que ainda são crianças por dentro, já que muitas vezes é um adulto carregando aquela criança que chega ao meu consultório.
A arte ajuda a driblar a defesa e a intelectualização inerentes à linguagem verbal. Quando um novo paciente (adulto) é encaminhado para mim, começo perguntando: ‘Por que você acredita que a arteterapia vai ajudar?’.
Ali, estou formando uma aliança com o paciente, sugerindo que acredito que a natureza criativa e experimental da arte, na companhia atenta de um arteterapeuta, vai fazer a diferença.
O que torna a arteterapia tão poderosa?
Arteterapia é mais do que apenas fazer pinturas legais. Na verdade, arteterapia é muitas vezes um processo de fazer pinturas feias ou bagunçadas que retratam um sentimento, não um produto final todo bonitinho e arrumadinho.
A arteterapia tem a ver com aquele processo criativo onde o cliente, em companhia de um arteterapeuta, está trabalhando e retrabalhando problemas por meio de materiais artísticos fluidos e variados.
No atendimento particular, vejo que as peças de arte criadas espontaneamente são as mais significativas e, muitas vezes, ajudam a pessoa a encontrar uma resolução para experiências traumáticas específicas.
O benefício ocorre quando a arte realizada facilita uma sensação de domínio sobre o problema.
Por exemplo, um paciente que sofreu anos de abuso ou negligência na infância pode ser capaz de finalmente expressar sentimentos que haviam sido evitados ou empurrados para fora da percepção consciente, porque eram muito fortes na época.
As imagens frequentemente falam mais alto do que as palavras.
Com o incentivo do arteterapeuta, os difíceis sentimentos podem ser expressados através da arte.
O processo varia muito, por isso não há uma maneira de descrever o que acontece em uma sessão.
Quando uma pessoa olha pela primeira vez para um papel em branco, pode haver alguma resistência ou hesitação em explorar sentimentos, por isso as imagens resultantes podem aparecer apertadas e controladas como em um desenho ou esboço a lápis.
Mas, depois que certa confiança é estabelecida no relacionamento terapêutico, o processo artístico pode se mover em direção a uma atividade mais expressiva, que sugeriria que o paciente está acessando uma emoção mais forte.
Muitas vezes o paciente começará a usar materiais mais evocativos nesse ponto, por exemplo, usando tinta ou argila para expressar raiva, vergonha ou medo.
O arteterapeuta conhece os problemas psicológicos e o uso de vários meios de arte; o processo é flexível e individualmente focado em apoiar o paciente a encontrar materiais e técnicas que se conectem com os problemas em questão.
E à medida que um paciente se torna mais aberto ao processo e descobre mais recursos criativos dentro de si próprio, o produto artístico também mudará.
Em arteterapia, sempre existe aquele limite criativo que mantém o processo dinâmico e contribui para o processo de cura.
Este artigo foi originalmente publicado pelo HuffPost US e traduzido do inglês.